Por Letícia Oliveira
No Brasil sempre aconteceram deslocamentos forçados para construção de áreas planejadas nas cidades, de ferrovias e rodovias e, nos últimos 50 anos, principalmente para construção de barragens hidrelétricas e plantas de mineração, que incluem as barragens de rejeito de minério. Em algumas destas situações o Estado é o responsável pela construção, além dele ser sempre o agente fiscalizador. Porém, mais recentemente, as empresas multinacionais têm avançado fortemente pelo território brasileiro com empreendimentos privados de exploração de bens naturais que expulsam comunidades de suas terras.
Nesse processo de construção, as empresas vão descobrindo que arcar com os gastos do deslocamento forçado causado às famílias, pode fazer com que os custos de implementação das obras sejam maiores e então, sistematicamente, negam-se a fazê-lo. Em muitas situações não há o reconhecimento de que os moradores precisam ser retirados e dessa forma os empreendimentos acabam por ser construídos muito próximos às comunidades. Em situações de empreendimentos construídos acima de comunidades, temos as condições mais extremas de deslocamento forçado com o rompimento de barragens, sejam hidrelétricas, de armazenamento de água ou de rejeito de minério.
Nos casos de rompimento de barragens, a saída das famílias ocorre na base do desespero, da desorganização e da perda de todos os bens, inclusive de vidas. No Brasil, quando as sirenes – que alertam para o rompimento – tocaram as barragens não se romperam, mas mesmo assim as famílias saíram desesperadas e foram deslocadas para outras áreas, porque o risco permanece. Onde as barragens romperam, as sirenes não tocaram, causando a morte de muitas pessoas.
Assim se começa uma saga, que no Brasil nos últimos cinco anos, se repetiu pelo menos 10 vezes. Os deslocados não sabem para onde vão. Espera-se que as autoridades os levem para algum lugar provisório. Depois, é hora de substituir o lugar provisório mais precário pelo aluguel de moradias, que deve ser pago pelos responsáveis pelo rompimento. Os atingidos pelo rompimento em Mariana, que moravam nas comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira estão nessa condição, de viver em casas alugadas pelo empreendedor, até hoje, mais de 4 anos depois do rompimento.
Os atingidos são deslocados de áreas rurais para áreas urbanas e espalhados pelos diversos bairros das cidades, se afastando de vizinhos e parentes, perdem seu local de referência para um encontro comunitário e a depressão aumenta, chegando a números maiores que a média nacional. Sem trabalhar e recebendo um salário mínimo mensal pago pelas mineradoras, as famílias se sentem cada vez mais dependentes das empresas criminosas.
Nessa situação até a organização desses atingidos se torna um grande desafio. Para alguns, o empreendedor oferece a possibilidade do reassentamento coletivo, mas para outros apenas uma indenização em dinheiro. Os atingidos esperam resolver essa situação, para que possam reorganizar suas vidas em um lugar definitivo, o mais rápido possível, mas as empresas conduzem tudo, os reassentamentos e o pagamento das indenizações, de uma forma bastante demorada, com muita burocracia, confusão, desorganização e ineficiência.
Os erros nos processos de reassentamento são recorrentes, a demora inexplicável nas obras, os gastos com outras ações que não são essenciais, tudo levando os atingidos a se angustiarem cada vez mais, com essa espera pelo futuro que não chega e não sabem quando chegará.Outros atingidos já começam a perceber que os desafios continuarão quando chegarem no reassentamento. A nova comunidade não será igual a destruída. Muitos que viviam nela não voltarão, alguns porque faleceram durante a espera do reassentamento e outros porque já se dispersaram, não se sentem mais identificados com a comunidade. Os erros cometidos na construção da nova comunidade vão criar problemas a serem enfrentados pelos atingidos nos reassentamentos, como falta de água para atividades agrícola e pecuária e falta de terras para plantio. A adaptação a um novo território, não construído por eles, e que com vizinhos que se tornaram distantes durante o tempo da espera, tende a não ser fácil. Existem reassentamentos de comunidades atingidas por hidrelétricas no Brasil, onde as famílias não conseguiram residir por muito tempo e foram embora. Há também iniciativas vitoriosas, onde os próprios atingidos deslocados construíram o reassentamento coletivo, de forma organizada, e hoje permanecem.
Há ainda os que não são obrigados a sair de suas casas por não estarem tão próximos das barragens e que então permanecem em seus locais, mas convivem com a destruição deixada pelo rompimento, com a contaminação da água, do solo e do ar. Apesar de permanecerem no mesmo local, suas vidas também mudam completamente.
E há os que, no meio de todos esses sentimentos, problemas, contradições e respostas, entendem que a única saída para tudo isso é se organizar, se fortalecer coletivamente para não ser mais uma vez engolido pelo medo e pela proposta de destruição colocada pelas empresas.